O Kelê de 3 meses
No século XIX (De 1801 a 1900) a vida na Bahia era muito diferente dos dias atuais. Nesse período, a escravidão ainda existia no Brasil, o Terreiro Ilê Axé Iyá Nassô Oká (Casa Branca) foi fundado na Barroquinha em 1830, as mulheres não participavam da vida política e nem podiam votar, poucas mulheres trabalhavam fora de casa, a população brasileira era um pouco mais de quatorze milhões, as profissões e a rotina da vida eram bem diferente. O telefone chegou no país no final deste século (1879) e era apenas para uso da coroa. As distâncias eram enormes, a indústria nacional quase inexistente, principalmente no Nordeste. O tempo das pessoas era outro, não se tinha tantas atividades e o cotidiano não tinha tantas atribuições.
Os primeiros Yawos iniciados no Brasil datam entre 1820 e 1830, as obrigações tinham tempo de iniciação diferente, dependia da nação e da família de Axé, que na época eram poucas. Os antigos contam que os iniciados ficavam mais de 1 ano morando dentro do Axé, era comum as Ialorixás dar abrigo para filhas(os) de santo na comunidade de Terreiro. Era um outro aprendizado e uma vivência de Candomblé bem mais intensa.
O século 20 chegou, o Candomblé já estava no Sudeste e muitos Terreiros foram abertos. Foi na década de 70 que eu comecei a me aproximar do Candomblé e a observar tudo que era relacionado aos Orixás. Eram muitos os Yawos que eu cruzava pelas ruas do Rio de Janeiro de Kelê, vestidos completamente de branco, cabeça coberta, alá nas costas, olhar para baixo. Era quase uma unanimidade que depois da feitura tinha que cumprir 3 meses de Kelê, tinham os raros casos de 6 meses, mas vamos nos atentar aos 3 meses. Nessa época as casas já iniciavam bastante homens, e a faixa etária dos Yawos tinha aumentado, já se falava em modernidade. Pessoas saiam de seus empregos, alguns paravam momentaneamente seus estudos, outros adiavam projetos pessoais para se dedicarem aos seus Orixás, muitas vezes pela dor como dizem. Iniciação era um momento único na vida, e, realmente a vida dos iniciados mudava muito no sentido de responsabilidade com o Orixá. Mas, porque se cumpria cerca de 3 meses de Kelê? Qual era a razão lógica dentro do Candomblé para esse tempo de 90 dias após o nascimento do Yawo? Porque o período de 3 meses carregando o Kelê e mais 1 ano de preceito era e é tão importante? A gente vai encontrar várias respostas diferentes.
Os dias atuais são repletos de inúmeras atividades, temos mais perigo nas ruas, temos a internet, a intolerância religiosa etc. Será que podemos carregar um Kelê por 3 meses? E se temos, qual a razão? Porque que em alguns Axés não se cumpre mais Kelê fora do Terreiro? Justificam isso porque os iniciados de hoje não conseguem mais ficar 90 dias privados de sexo, de bebidas alcoólicas, de fumar, de sairem a noite, de dormirem nas suas camas (...) Não entendo qual é a diferença dos iniciados de hoje para os iniciados dos anos 70, 80, 90 por exemplo. Naquela época não se tinha essas mesmas necessidades? A fé antigamente era maior do que a de hoje?
Será que os Terreiros viraram "fábricas" de Yawos e por isso retiraram do processo iniciático alguns procedimentos que são inconvenientes? Por exemplo existem pessoas que trabalham com uniformes vermelhos, pretos etc. e essas devido a isso não conseguem cumprir 90 dias de Kelê, pedir para a pessoa mudar de emprego não é fácil hoje e não era no passado, porque emprego sempre foi difícil de conseguir. Mas, e a determinação do Orixá? Quem decide se fica ou não fica de Kelê? Quem determinou que não se cumpre mais Kelê? Porque eu e milhares de outros iniciados tivemos que cumprir?
A aliança com nosso Olori durante o período que acontece por cerca de 90 dias com todas as suas atribuições com o Axé é imprescindível, não só faz parte de uma tradição como é um processo que se faz para a vida toda. Se um iniciado não consegue cumprir um Kelê porque seus desejos e necessidades não podem esperar cerca de 3 meses acho que falta um pouco de fé no Orixá. Ser flexível para poder sobreviver é plausível, recorrer aos Orixás para encolher o tempo de obrigação e de preceitos já é feito há muito tempo, mas abolir processos de tanta importância simplesmente porque as pessoas de hoje não conseguem cumprir? Antigamente também tinham pessoas que não queriam se submeter as privações que uma iniciação exige, e portanto, elas não faziam Santo, ou adiavam por anos, ou até iniciavam pela "dor" como dizem.
Será que os Terreiros viraram "fábricas" de Yawos e por isso retiraram do processo iniciático alguns procedimentos que são inconvenientes? Por exemplo existem pessoas que trabalham com uniformes vermelhos, pretos etc. e essas devido a isso não conseguem cumprir 90 dias de Kelê, pedir para a pessoa mudar de emprego não é fácil hoje e não era no passado, porque emprego sempre foi difícil de conseguir. Mas, e a determinação do Orixá? Quem decide se fica ou não fica de Kelê? Quem determinou que não se cumpre mais Kelê? Porque eu e milhares de outros iniciados tivemos que cumprir?
A aliança com nosso Olori durante o período que acontece por cerca de 90 dias com todas as suas atribuições com o Axé é imprescindível, não só faz parte de uma tradição como é um processo que se faz para a vida toda. Se um iniciado não consegue cumprir um Kelê porque seus desejos e necessidades não podem esperar cerca de 3 meses acho que falta um pouco de fé no Orixá. Ser flexível para poder sobreviver é plausível, recorrer aos Orixás para encolher o tempo de obrigação e de preceitos já é feito há muito tempo, mas abolir processos de tanta importância simplesmente porque as pessoas de hoje não conseguem cumprir? Antigamente também tinham pessoas que não queriam se submeter as privações que uma iniciação exige, e portanto, elas não faziam Santo, ou adiavam por anos, ou até iniciavam pela "dor" como dizem.
Os tempos realmente mudaram, adaptações são realmente necessárias, porém não consigo aceitar que mudem completamente a essência do Candomblé. Imaginem se chegarmos no tempo em que as pessoas não aceitem mais raspar a cabeça? Teremos então que mudar e abandonar a navalha? Os 3 meses de Kelê, ou um período próximo a isso, serve para uma aproximação, para ensinamentos, para o fortalecimento do Yawo, é como um recém-nascido de moleira aberta. Imagine parir um filho e já manda-lo para a vida, se não cumpre com o ilekê no pescoço não vai cumprir sem.
(Foto Internet)
Axé
Marcos de Ode (Ode Kobayò)
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Modúpé pela sua participação. Olorum Agbo Ato. Que Oxalá lhe de boa sorte.