Respeitem nossos mais velhos
Agbà Walquiria da Oxum da Casa de Oxumarê (In memorian) |
Não é raro ouvir reclamações sobre os antigos do Candomblé principalmente no que tange a transmissão de conhecimentos, pessoas que afirmam que os mais velhos escondem conhecimento, que negam conhecimento, que não passam porque não sabem etc. Então como o Candomblé atravessou quase 200 anos?
O Candomblé foi formado por nossos ancestrais africanos e por seus descendentes, a essência da nossa religião é africana de uma tradição religiosa que data mais de 5.000 anos, e eu não tenho nenhuma dúvida sobre isso, mesmo com muitas diferenças e adaptações o nosso Candomblé tem muito do culto aos Orixás na África, mesmo com transmissão oral o que vejo hoje nas Casas tradicionais quase não mudou desde quando frequento Terreiro. Assim, é fácil entender que o Awo (Segredo/Mistério) do Orixá vem sendo, e é passado de geração a geração. Essa generalização de que os mais velhos não transmitem conhecimento não é justa, uma pessoa realmente pode guardar mais segredo do que outra, a propósito, guardar segredo (Awo) para os mais tradicionais é algo que eles levam muito a sério, até porque, é determinação dos Orixás.
Entendo que conhecimento deva ser transmitido assim: o que é público deve ser dito até para desmistificar equívocos, mas os nossos awos, não devemos relevar publicamente ou a esmo, para qualquer pessoa, esse “qualquer” não tem intenção de diminuir ninguém, a palavra é para indicar que conhecimento se passa para os envolvidos, ou seja, apenas as pessoas do Egbè que passarão pelos awos.
Houve um enriquecimento enorme de conhecimento nas últimas 4 décadas em relação aos Orixás e no entendimento da cosmogonia Yoruba, entender melhor a nossa religião faz a nossa gente ficar mais fortalecida. Rever valores, formas de cultos e conjuntos litúrgicos faz parte da nossa religião desde sempre. Existem os mais resistentes as mudanças na tentativa de preservar o Orixá, é natural, o Candomblé é feito por pessoas. Temos que cuidar com carinho dos nossos mais velhos, temos que amar os que vieram primeiro, é o princípio da nossa religião. Precisamos entender que as pessoas não são iguais, claro que não é porque é mais velho que deve saber mais “fundamento” ou ter mais experiência de vida do que um mais novo, experiências empíricas uns vivenciam mais do que outros independentemente da idade. Nossas Agbàs e nossos Alagbàs possuem um código de ética que é deliberado pelos nossos ancestrais, muitas vezes um mais antigo do Terreiro hesita (no bom sentido) em falar alguma coisa em respeito ao Baba ou a Iya Olori da Casa, por não querer ferir a hierarquia que é estabelecida em cada comunidade. Confiança se conquista, nossos mais velhos precisam ter certeza do que iremos fazer com as informações que eles transmitem. Falar que se “compra” informação é verídico porque a troca existe e é herança africana, a recompensa é legítima, e quando recebemos um ensinamento sem dar dinheiro em troca também estamos sendo recompensados.
Vamos respeitar nossos mais velhos, a gente sabe que os canalhas também envelhecem, mas não estamos falando de canalhas, mesmo que um mais velho não tenha nada a nos ensinar ele merece o nosso carinho e respeito. Quem tem sede de conhecimento não está errado em nada, são pessoas que engrandecem nossa religião, o problema não é o querer aprender. Mesmo que um mais velho não queira revelar algum awo, vamos respeitar esse direito dele, quem sabe uma hora ele não confie e nos presenteie com o que ele tem de mais valor? Toda vez que um mais velho no Orixá perguntar se você sabe alguma coisa, diga que não sabe, mesmo sabendo, assim você abre uma porta para o conhecimento entrar. Os antigos tem história para contar e acredite eles querem contar.
Axé
Marcos de Ode (Ode Kobayò)
Foto: internet
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Modúpé pela sua participação. Olorum Agbo Ato. Que Oxalá lhe de boa sorte.