ORIXÁS CULTUADOS NA NAÇÃO KETU

 

Na tradição do Candomblé Ketu são cultuadas divindades que chamamos de Òrìṣàs. Ori (Cabeça) + Osas (Divindade). Na cosmogonia do povo Yorùbá, o Senhor do Universo ficou saturado de energia e explodiu. Nessa explosão surgiram fragmentos dos quatro elementos da Natureza, os Osas (Divindades): Osa Omi (Água); Osa Ilé (Terra); Osa Òfúrufú (Ar) e Osa Iná (Fogo). Elas são as partículas de Olorum/Olódùmarè (Deus). Depois os Osas se desdobraram em: Osa Odo (Rio); Osa Òkun (Oceano); Osa Òsa (Lagoa); Osa Òko (Chuva); Osa Igbó (Floresta); Osa Aféfe (Vento); Osa Manamana (Raio); Osa Oòrùn (Sol); Osa Ojo (Chuva); Osa Irin (Minerais); Osa Ere (Lama), e assim por diante. Òrìṣà Èṣù foi o primeiro a ser criado a partir da existência genérica que compõe cada um de nós (Barro). Teve sua cabeça escolhida por todos os Osas e foi assim que recebeu o título de Enugbarijo (Boca coletiva / Boca do mundo). Isso quer dizer que Esu tem todos os Osas, ou seja, todos os elementos da Natureza estão em Esu. Quando viemos para o Àiyé (Terra) somos escolhidos por um Osa, ou mais de um, e é assim que se forma nosso Òrìṣà: a soma desses elementos com o nosso Ori Inu (Cabeça interna, o pensamento, o cérebro). Todos os Òrìṣàs estão relacionados com elementos da Natureza, já que Olorum criou o Àiyé (Mundo físico), formado pelos vegetais, minerais e animais. Em certo ponto, Olorum criou alguns seres divinos para organizar e controlar a vida no Àiyé: nos que mais se destacavam entre os Onile (Senhor/ dono da Terra) e Indile (Que tem alguma função na Terra), Olorum colocou seu Ìpònrì (Força vital) para que pudessem desempenhar as tarefas na Terra (Mundo físico).

Foram então criados 401 Igba Irunmole Ojukotun (lado da mão direita de Olorum) e 201 Igba Irunmole Ojukosi (lado da mão esquerda de Olodumare); Irunmoles quer dizer Irun (seres divinos do Orun) + Mo (O conhecimento) + Ilé (Terra). São seres divinos do Orun que possuem conhecimento e visitam constantemente a Terra. Entre os 401 Irunmole Ojukotun estão os Òrìṣàs, Ifa, Ori, seres humanos, animais, vegetais… E entre os 201 Irunmoles Ojukosi estão os Ajoguns (aqueles que lutam contra a humanidade). É importante dizer que os Ajoguns não são Òrìṣàs, mas espíritos malignos que atrapalham a vida no Àiyé. Os Ajoguns são: Ikú (morte), Àrùn (doença), Òfò (perdas), Ègbà (paralisia), Òràn (problemas), Èpè (maldição), Èwòn (aprisionamento), Èse (aflição). Estão também entre os 201 Ojukosis as Ajès (feiticeiras) e Elénini (A inimiga do Ori, que também se conhece como Yeyemuwo, “A mãe da desgraça”). Ela testa o tempo todo o nosso caráter, coloca tentações para que os seres caiam nas suas armadilhas e assim cria diversos conflitos com Ori, que tem a incumbência de nos guiar no Àiyé. Entre os 401 Ojukotuns e os 201 Ojukosis estão os seres humanos, os Ajès e as Elèyés. Temos uma luta diária contra os Ojukotuns; às vezes ganhamos, às vezes perdemos, cabe a nós ser vigilantes e entender que, antes de colocarmos toda a responsabilidade em Òrìṣà, devemos fazer com que essas forças adversárias não nos vençam. 

Feito esse resumo da visão de criação do mundo, a seguir relaciono os principais Òrìṣàs cultuados em um Terreiro de Ketu no Brasil.

Exú (Èṣù): ele é o Òjíse (mensageiro) de todos os mundos. Foi o primeiro a ser criado por Olorun, é o Igba Keta (Senhor da terceira cabaça), portanto é um dos Òrìṣàs fundamentais porque participou da criação do mundo (Àiyé). Èṣù é o único que tem condições de entrar em todos os mundos (Àiyé e Oruns) e por isso é o nosso mensageiro; não por receber a incumbência de levar as mensagens, mas por ser ele o único com esse poder. Èṣù é composto de todos os elementos (Osas), é o Enugbarijo (A Boca do Mundo), come qualquer alimento que possa existir no mundo, é a boca coletiva que fala por toda comunidade. Existem diversas facetas de Èṣù e muitas delas são cultuadas imprescindivelmente em um Terreiro de Ketu. Ele é o primeiro a receber culto e o único que recebe todos os cultos posteriormente. Isso quer dizer também que ele “come primeiro”. Por exemplo: toda comida votiva que é preparada no Ilé Idáná Òrìṣà (Cozinha de Òrìṣà), depois de pronta, tem separada uma pequena parte para oferecer primeiro a Èṣù. Esse Òrìṣà está presente em todos os ritos do Asè e tem seu ojúbọ (local com elementos sagrados para o culto) em diversos locais da Casa. 
Ogum (Ògún): Divindade do ferro, da guerra, de tudo que ainda vai acontecer – portanto, dos avanços tecnológicos. Òrìṣà que chega primeiro (Ásíwájú). Ògún foi o primeiro Òrìṣà a descer na Terra para encontrar um local seguro para os seres humanos. Foi rei da cidade de Ifé e um exímio guerreiro. Irmão de Èṣù, é considerado o primeiro Òrìṣà a ser cultuado pelo povo Yorùbá. Ògún veio para o Àiyé com o título de Alàákàyè (Senhor da Terra). Foi ele quem abriu caminhos para os que vieram depois. Seus elementos (Osas) fundamentais são o fogo (Osa Iná) e o mineral (Osa Ere).

Oxóssi (Òṣóòsi – Ọdẹ): Divindade que protege a Natureza, da caça, da subsistência humana e de todos os seres vivos. Òrìṣà da estratégia, Òsóòsi está presente em cada refeição que o ser humano faz, está nas florestas, nos animais, na produção de alimentos. Foi o primeiro Òrìṣà a ser cultuado no Brasil. Òsóòsi é o Rei da nação Ketu, considerado o caçador (Ọdẹ) de boas energias para o Terreiro. É o Òrìṣà da astúcia e da agilidade. Seu culto no Ketu é imprescindível em quase todas as cerimonias do Egbé. Seus elementos (Osas) fundamentais são o ar (Osa Ofurufu) e florestas (Osa Igbó).

Logunedé (Ológunède – Senhor Guerreiro da cidade de Edé): Òrìṣà filho de Osun Yponda e Erinlè, caçador das florestas e pescador dos rios, Logun tem em seu culto algumas discrepâncias como ser um Òrìṣà metade masculino e metade feminino. Essa confusão se dá porque caminha tanto nos caminhos de Erinlé como nos caminhos de Osun; mas isso não lhe faz ser seis meses menino e seis meses menina, é Òrìṣà masculino. A nação de origem de Logun é Efon, assim como a de Osun e de Erinle; no entanto, todos esses Òrìṣàs são cultuados em Ketu, já que o Efon também é uma nação Yorùbá e que cultua Òrìṣàs. O reino de Efon é um pequeno reino Yorùbá e um subgrupo de Ekiti na Nigéria. A verdade é que Logun é um Òrìṣà muito temperamental, um guerreiro muito bravo e impiedoso, seu comportamento é muito parecido com o de Ògún. Seus elementos fundamentais são o ar (Osa Ofurufu), florestas (Osa Igbó), a água (Osa Omi) e o mineral (Osa Ere) e talvez essa composição de tantos elementos seja uma das suas maiores complexidades.

Xangô (Ṣàngó): Òrìṣà muito cultuado no Candomblé Ketu, filho de Oranian (Pai) e Torosi (Mãe). Quem criou Ṣàngó como quarto Aláàfin de Òyó foi Ìyámassè. Ṣàngó é considerado o Òrìṣà da justiça. Um de seus símbolos é o Osé Fàdákà (machado de 2 lâminas), que indica que Ṣàngó não tem lado. É muito violento com os que cometem erros e odeia a mentira. É cultuado como o Rei do povo Yorùbá. No Brasil existem alguns caminhos de Ṣàngó que são cultuados; muitos os veem como divindades distintas, mas são chamados de “qualidades” de Ṣàngó. Os que tenho como caminhos desse Òrìṣà são: Àfònjá, Aganjú, Baru, Dàda Àjàká, Ogodo. Os elementos (Osas) fundamentais de Ṣàngó são o fogo (Osa Iná) e o mineral (Osa Ere). Ṣàngó é muito presente e é um dos principais Òrìṣàs nos Terreiros Nagôs (Ketu) do que nos descendentes do Ilê Àṣe Ìyá Nassô Oká (Terreiro da Casa Branca).

Obaluaiyê (Obàlúwàiyé): Rei Dono da Terra – esse é o título desse grandioso Òrìṣà cultuado nos Candomblés Nagôs (Ketu). Obaluaiyê também era chamado de Omo Olú (Filho de Olú), já que o nome de sua mãe é Olú. Não se deve confundir com Òrìṣà Omulu (Filho de Senhor), pois embora alguns afirmem se tratar da mesma divindade, são Òrìṣàs distintos. Talvez a grande confusão esteja no nome e por ambos serem relacionados à cura de doenças contagiosas. Obaluaiyê é a divindade da febre, da varíola e de todas as doenças infecciosas; quando o ser humano tem uma febre alta, é Obaluaiyê agindo no corpo para tentar colocar a doença para fora, devido a sua relação com o calor, com a quentura do mundo. Por isso também é chamado em algumas ocasiões de Bàbá Igbóna (Pai da Quentura), pois está diretamente ligado ao Sol. Esse é o motivo de que todas as obrigações para esse Òrìṣà devem ser feitas durante o dia e preferencialmente nos horários mais quentes. Tudo que vem das profu ndezas da Terra, como as lavas vulcânicas, gases quentes sulfurosos, está relacionado com ele. Seus elementos (Osas) fundamentais são: fogo (Osa Iná) e a terra (Osa Ilé).

Omulu (Omulu): “Filho do Senhor” – esta é a tradução do nome desse Òrìṣà que, assim como Obaluaiyê, também está ligado ao poder da cura. Omulu também é ligado ao mundo dos mortos aqui no Aiyé (Terra), no entanto não é cultuado nos cemitérios como alguns pensam. Filho de Nana e Oxalá, foi salvo e curado por Iemanjá, que o encontrou ferido por mordidas de caranguejos. Omulu, com seu símbolo principal – o xaxará (sàssàrà), confeccionado com as nervuras das folhas de dendezeiro, favas sagradas, missangas e búzios da costa –, tem o poder de absorver a negatividade do ambiente e espantar o àrùn (doença). Omulu e Oyá se uniram para vencer o poder de Ikù (morte), das doenças e dos emis buburus (maus espíritos). Por isso, Oyá deve estar presente de alguma forma em toda obrigação de Omulu. Assim como Obaluaiyê, ele também veste Asó Iko (roupa de ikó), feita com a fibra ráfia do Igí Ògòrò (palha da costa). Quando vestido com seu Iko (Azê), deixa clara sua forte ligação com a morte e com a vida. Seus elementos (Osas) fundamentais são: fogo (Osa Iná) e terra (Osa Ilé).

Oxumarê (Òsùmàrè): Oxumarê é Òrìṣà masculino, a divindade do frescor, do arco-íris e da chuva. Oxumarê é o Senhor da fortuna, da prosperidade material, do ouro e de tudo que tem elevado valor. Originário de Mahi (o filho de Nana), irmão de Yewa e Omulu, está em tudo que tem forma longa, como por exemplo o cordão umbilical. Devido a sua forma, é o Òrìṣà de todos os movimentos, de todas as formas e de todos os ciclos da Natureza, é a dinâmica do mundo. Seus elementos (Osas) fundamentais são: água (Osa Omi), terra (Osa Ilé) e o ar (Osa furufu).

Ossaim (Òsányin): Òrìṣà das folhas sagradas, divindade imprescindível no Candomblé Ketu. Nenhuma cerimônia é realizada sem o culto a Òsányin. Existe uma máxima no Candomblé que é “Kósi Ewé, Kósi Òrìṣà”, ou seja, “sem folha não existe Orixá”. Tradicionalmente só pode ser iniciado um filho (a) desse Òrìṣà em cada Casa de Candomblé. 
Existe uma discussão sobre o Elegun (médium) de Òsányin no Brasil. Algumas pessoas de outros segmentos afirmam que na África não existe incorporação de Òsányin. No entanto, é importante pensarmos que o Candomblé Ketu é uma religião que foi codificada no Brasil por nossos ancestrais africanos e existem diferenças sensíveis entre o culto praticado no Brasil e o do continente africano, assim como existem inúmeros Òrìṣàs que não vieram para o Brasil. Foram adaptadas diversas formas de cultuar as divindades aqui, devido a uma infinidade de fatores. A incorporação de Òsányin no Brasil é compreendida como legítima dentro das nossas tradições e pela nossa cosmovisão de religião.

No meu entendimento, a ciência e a medicina são atividades sagradas e grandes aliadas da humanidade e dos seres. Òsányin é considerado a divindade da medicina por ser o detentor dos segredos dos elementos (folhas, raízes, sementes etc.) que servem para curar diversas enfermidades. Seus elementos (Osas) fundamentais são: floresta (Osa Igbó) e terra (Osa Ilé).

Oiá/ Iansã (Oya/ Yánsàn): Iansã foi o título que Ṣàngó deu a Oya e quer dizer “A Mãe do entardecer”, porque Oya é radiante como o pôr do Sol. Oya é considerada a Mãe dos nove ceús (Òruns) - Ìyá-Mésàn-Òrun, pois é essa divindade a responsável por encaminhar os mortos no retorno ao Òrun. Oya representa a transformação. Por isso, uma de suas representações é a borboleta, que é o resultado da metamorfose. Oya tem o poder de manipular o fogo de Ṣàngó; ela é o vento (Afefe), o vendaval e a tempestade (Iji). Yánsàn/ Oya é a dona do mercado, da comercialização, adora negociar nos mercados. Foi Oya que fez o primeiro ritual fúnebre (Asese) para um morto, e foi a partir dessa cerimônia criada por Oya que Olodumare determinou que todos os iniciados no culto tivessem direito ao Asese. Oya é uma divindade que obrigatoriamente deve estar presente em diversos momentos do culto, devido a sua grande importância para a religião dos Òrìṣàs. Seus elementos (Osas) fundamentais são: o ar (Osa Furufu) e o fogo (Osa Iná).

Oxum (Òṣún): Esse Òrìṣà Obìnrin é presente em tudo, ou quase tudo da cultura Yorùbá, desde o culto as Ìyámis à iniciação dos Ìyáwós. O nome Òṣún vem de Oríṣùn, que significa fonte/ nascente de um rio e/ ou da vida. O Ipòrùn (Poder de criar) de Òṣún é fazer a vida ser possível; ela fez a água doce surgir na Terra, possibilitando que a vida pudesse surgir do solo seco e árido. É a dona do Eérìndínlógún/ Òrìṣà Dídá (Jogo de Búzios). Sem ela e sem Èṣù, não existiria possibilidade de consultar esse oráculo. Todos reconhecem que, sem o poder de Òṣún, a vida no Aiyé não seria possível e é por isso que, em um Terreiro de Ketu, Òṣún está faz parte dos principais fundamentos da Casa e de toda ritualística. Divindade da fertilização, do ouro, da fecundação, ela nos faz nascer e prosperar e representa o poder feminino. Dizem nossos Alagbas (Autoridades rituais do Candomblé) que a grande feiticeira do mundo é Òsun, pois é ela que detém o poder da maior magia que pode existir: o de gerar a vida. Os elementos (Osas) fundamentais de Òsun são: água (Osa Omi), lagoa (Osa Òsa) e rio (Osa Odo).

Iemanjá (Yemojá): é a mãe de todos os Oris (cabeça, consciência, inteligência, personalidade). Yèyé + Omo + Ejá = “Mãe dos filhos que são peixes”. Essa tradução vai muito mais além do que simplesmente dizer que Yemojá é a mãe de todos os peixes, pois se pensarmos que mais de 70% do nosso corpo é constituído por água, e que somos gerados em uma bolsa cheia d’água (placenta), podemos entender que essa divindade está em todos os seres humanos desde sempre e que ela é a Grande Mãe da humanidade. Umas das louvações a Yemoja fala que ela é a mãe dos rios “Odo Ìyá!” Odo (Rio) Ìyá (Mãe), portanto é correto cultuá-la em águas doces, ou mesmo no encontro do rio com o mar. Conta-se que Yemoja se tornou tão grande que não coube nos rios e precisou ir morar com seu pai Olokun (Senhor dos Oceanos) nos oceanos. Será que foi por esse motivo que Yemoja se tornou a Rainha do Mar? Não sabemos ao certo. Yemojá é a divindade mais popular no Brasil. Milhares de pessoas, em 2 de fevereiro — dia de Iemanjá — vão ao Rio Vermelho, em Salvador-BA, levar suas oferendas em agradecimento e para pedir a proteção da grande mãe. Outra data icônica é 31 de dezembro, quando fiéis levam para o mar barquinhos com oferendas, flores e outros objetos para a rainha do mar. Yemojá, junto a Òsàlà e outros Òrìṣàs funfuns, estão diretamente ligados ao culto do Ori, sobretudo no ritual de Ebori (Bori) – Ebo (comida) + Ori (Cabeça), sendo ela evocada diversas vezes durante essa cerimônia. Os elementos (Osas) fundamentais de Yemoja são: água (Osa Omi), lagoa (Osa Òsa) e rio (Osa Odo).

Nanã (Nànà/ Nan Buruku): essa Ìyá Agbá é a divindade feminina de grandes mistérios, ela está no portal entre o mundo dos vivos e dos mortos. É a lama o seu principal fundamento e foi dela que nosso Ara (corpo físico) foi feito; então Nànà está no princípio, no meio e no fim da vida. Nànà é história, ancestralidade, vida, riqueza, justiça, é o barro, a senhora dos igbás que nos permite cultuar nossas divindades (Òrìṣàs). Nànà é anterior à descoberta do ferro (metal) e é por esse motivo que em seus ritos não se faz uso de objetos metálicos. Mãe de Omulu, Òsùmàrè e Iroko, é a divindade mais antiga do Candomblé e por isso é respeitada por todas as outras. Nànà também nos lembra que não somos eternos nessa vida no Aiyé (Terra), que a morte do corpo nessa existência é a certeza de nossa fragilidade e que estamos aqui apenas por um período. Nànà Buruku é uma tradução que deve ser refletida: Buru (pior) + ku (morrer). Talvez isso seja uma expressão para mostrar a essência de vida e morte de Nànà, mas também podemos interpretar que pior é morrer no sentido amplo, porque existem outras mortes que não apenas o fim da vida orgânica do corpo: a morte da paz, da felicidade, da dignidade, da consciência etc. Tudo isso nos mostra que Nànà está o tempo todo presenteando os seres humanos com esses recados, para que nós, enquanto vivos neste mundo, possamos exaltar a vida e viver em sua plenitude, como o nome diz: “pior é morrer”. Os elementos (Osas) fundamentais de Nànà Buruku são: barro (Osa Omo), água parada (Osa Omi Duro), lama (Osa Ere) e chuva (Osa Ojo).

Ewá (Yèwá): Yèwá quer dizer “Nossa Mãezinha”, filha de Nànà, irmã de Òsùmàrè. Yèwá é a divindade da pureza, mas não da ingenuidade. Representa tudo que ainda irá acontecer, o que quer dizer que ela é a própria modificação da vida, tem o poder da visão, da previsibilidade e da maternidade. Yèwá representa a beleza do mundo e tem o poder do encantamento. Yèwá enganou Iku salvando Orunmila da morte e,  como recompensa, ganhou o dom da vidência, tendo assim o poder de impedir a morte prematura. Oriunda do rio com seu nome na antiga tribo de Egbado, no estado de Ogun na Nigéria, esta divindade está em tudo que emite energia, ou seja, tudo que é branco como o brilho da Lua, o branco do arco-íris, os raios de Sol, a água. É Yèwá que decompõe os corpos na terra, afinal ela faz a modificação, a transformação da vida no Aiyé. Òrìṣà da mata escura e do mato, quando quer se esconder, se transforma em cobra, mas Yèwá não é uma cobra como seu irmão Òsùmàrè. Ela aprendeu com Òṣóòsì a caçar e por isso carrega também um Ofá. É a divindade das possibilidades, de tudo que pode ser feito e realizado. Mulheres com dificuldades de gerar filhos também recorrem a Yèwá para a fertilização, pois assim como Òṣùn ela tem o poder da fecundação de tudo. Seus elementos (Osas) fundamentais são: água (Osa Omi), ar (Osa Furufu), rio (Osa Odo), floresta (Osa Igbo).

Obá (Obà): o poder feminino de lutar e resistir está em Obà, divindade feminina guerreira de rara beleza, oriunda do Rio Obà, na Nigéria. Foi a primeira esposa de Ṣàngó. É dito que Obà, a rainha de Elecó, é uma grande justiceira, pune severamente os homens que maltratam mulheres e crianças. Da união de Obà com Ṣàngó nasceu Opara, que se transformou em uma forte guerreira e que luta incansavelmente por justiça. Existe um Itan muito conhecido de que Òsun teria tramado uma artimanha para Obà: disse que ela cortasse sua orelha e colocasse no Amalá que seria dado a Ṣàngó. Este teria ficado furioso e a expulsado do seu reino. Porém, este é um Itan apenas para ilustrar que Obà é a personificação do ciúme, da possessão dos relacionamentos e que esse sentimento deve ser controlado. Portanto, a história de que Obà cortou a orelha não aconteceu de fato. Obà, a senhora de Elecó, está relacionada com as águas revoltas dos rios. Se pensarmos com mais profundidade, isso quer dizer que essa divindade é a manifestação da rebeldia, da inquietude, do não conformismo, do movimento que resiste ao que não é desejado, entre outras ações desse tipo que nos envolvam. Obà também é composta do elemento fogo; é para ela que se destinam as brasas das obrigações de Ṣàngó. Essa divindade é a detentora de todo poder feminino e por isso tem estreitas ligações com as Ìyás (Ajè, Egbè e Àbìkù). Os elementos (Osas) fundamentais de Obà são: água (Osa Omi), rio (Osa Odo), fogo (Osa Iná), águas revoltas (Osa Omi Riru).

Ibêji (Ibeji): quer dizer “irmãos gêmeos”. Acredita-se que os gêmeos são sinal de boa sorte, de prosperidade e de vida. Isso é levado tão a sério que comerciantes africanos ofertam dinheiro e presentes para os gêmeos quando eles entram em seus comércios. A duplicidade de Ibeji é a representação de vida abundante e essa força de vida está relacionada com todos os Òrìṣàs e seres humanos. Como dizem: se alguém quer boa sorte e abundância em sua vida, cultue Ibeji. São associados a tudo que precisa nascer e/ ou acontecer, à leveza e alegria da vida. Ibeji é a força da continuidade e isso já seria motivo suficiente para todo Terreiro de Ketu cultuá-los. É um engano confundir Ibeji com os Erês, são divindades bem diferentes. Cultuar Ibeji é também fazer com que os dois lados da verdade sejam sempre considerados, e só assim a justiça poderá ser feita corretamente. O equilíbrio, a riqueza no sentido amplo da palavra, o germinar das coisas também estão relacionados a Ibeji. Seus elementos (Osas) fundamentais são: água (Osa Omi), ar (Osa Furufu) e terra (Osa Ilé).

Iroco (Íròkó): é o Bàbá Iggi (pai da árvore) mais antigo do mundo, considerado Iggi Olorun (árvore do criador). Representa o tempo, a sabedoria, a história, a hemorragia e a circulação sanguínea dos seres. A árvore de Íròkó no Brasil é a gameleira branca. Para que um Terreiro de Ketu tenha o culto a esse Òrìṣà é imprescindível plantar essa árvore dentro do Ase. No entanto, Íròkó (gameleira) é herdado do Ase de origem; não basta comprar uma muda de Íròkó e plantar. A árvore precisa ser filha da árvore da raiz do Ase da linhagem Ketu à qual a Casa pertence, é tradição de ancestralidade. Com a tradição de a muda da gameleira ser tirada do Ìròkó da Casa raiz, deve-se esperar a árvore ter um determinado tamanho para que se possam iniciar os ritos de Íròkó do Terreiro. O igba desse Òrìṣà é a própria árvore, ele é a representação da nossa ancestralidade. Seus elementos (Osas) primordiais são: água (Osa Omi), ar (Osa Furufu), floresta (Osa Igbo), terra (Osa Ilé) e o mineral (Osa Ere).

Oxalufã (Òṣàlúfón): Òrìṣà que representa a antiguidade, a criação. Uma divindade primordial funfun que anda curvado para nos mostrar que temos história e que, mesmo tendo conhecimento, devemos nos curvar para o presente, o futuro e para a vida. Òsàlúfón é dono do Opá Oṣòró (Opaxorô), um cajado que pode ser de metal ou do caule do Akoko e que separa o mundo dos seres humanos do mundo dos Deuses. Quando Òṣàlúfón bate o Opá Oṣòró no chão, é para que nossas divindades venham para o Àiyé. O dono do pano branco é o Òrìṣà cultuado nos Terreiros de Ketu que mais tem o respeito da comunidade, pois é ele o Senhor da criação. O movimento desse Òrìṣà para que a vida exista está relacionado com o Ìgbín (tipo de caramujo) que, além de promover a calma e a vitória sobre conflitos e guerras, também faz com que a força (Àṣe) de Òṣàlúfón fique em movimento gerando vida. Os elementos (Osas) primordiais são: atmosfera (Osa Afefe) e ar (Osa Furufu).

Oxaguiã (Òsà Ògìnyán/ Ajàgúnàn): Rei de Ejibo (Eléèjìgbó), o grande guerreiro do branco ganhou esse nome porque adora comer inhame (iã) pilado; dizem até que ele criou o pilão para que preparassem melhor seu prato predileto. Òrìṣà que faz guerras para que a paz reine no mundo, ele é o Senhor da insatisfação. Òsà Ògìnyán é capaz de terminar uma construção, derrubá-la e em seguida começar a reconstruí-la. A batalha anual de Atoris nas obrigações de Òsà Ògìnyán, muito conhecida como Pilão de Oxaguiã e que acontece geralmente após as Águas de Oxalá, é devida a uma condição imposta por Auolejé, que foi preso pelos soldados de Òsà Ògìnyán por ter se referido a ele como o “comedor-de-inhame-pilado” e, como punição, fez com que não chovesse em Ejibo por sete anos. Após Òsà Ògìnyán ter ordenado libertar Auolejé, ficou determinado que anualmente seria realizada essa batalha, em sinal de arrependimento pelo que fizeram com Auolejé. Entre a espada, o escudo e a mão de pilão, esse Òrìṣà representa as nossas batalhas diárias, a defesa contra os perigos externos e, em nós mesmos, a transformação do que queremos e precisamos. Òsà Ògìnyán representa toda cultura material, a dinâmica da vida, a luta pela paz e pelo sustento por meio do trabalho. Os elementos (Osas) primordiais são: atmosfera (Osa Afefe) e ar (Osa Furufu).
Existem outros Òrìṣàs que são cultuados em Terreiros de Ketu, dependendo de cada tradição de Àṣe. No que tange às “qualidades” desses Òrìṣàs, que particularmente chamo de caminhos ou divindades aglutinadas, existem variadas interpretações que já foram incansavelmente debatidas. Acredita-se que, no Brasil, quando o Candomblé Nagô foi codificado, muitas divindades foram inseridas como qualidades de Òrìṣàs para que fossem cultuadas aqui. Outra visão é a de que a mesma divindade tem diversas fases e passagens em cidades, tribos e países Yorùbás, recebendo nomes, títulos honoríficos e epítetos. Chamo a atenção para o Òrìṣà Èṣù, que possui diversos aspectos e todos eles são cultuados quase que obrigatoriamente nos Terreiros como: Onã, Odara, Akesa, Baraketu, Yangi (Igbaketa), Lalu e Ijelu, entre outros, porém se trata de uma única divindade. Èṣù é único, é uma essência que se divide em diversas facetas.



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